Lacieverso #21 || Hortênsias 8.4 - Desalento

Boas vindas, convidado! A festa de chá tem alguns pães e tortas folheadas, além do chá de hoje ser gelado e com bolhas de tapioca. O verão está chegando, então melhor se hidratar! Acomode-se em sua rede favorita e deixe-me me apresentar. Sou Lacie, e quero lhe contar uma história.

Essa semana não rolou muitas novidades, então vamos em frente com os capítulos adiantados! ♥

Hortênsias

CAPÍTULO OITO

DOR DE AMOR

— Isso aqui é caótico, né — foi meu comentário ao chegarmos.

O local era uma biblioteca pequena, com uma pequena livraria acoplada. Havia várias mesas para leitura, que estavam sendo ocupadas por várias pessoas usando os mais diversos tipos de roupas: desde pijamas de zebra, passando por conjuntos inteiros de cosplay de She-Ra e até uma pessoa, que parecia estar organizando tudo, em um traje de gala. Todos estavam com notebooks, embora alguns carregassem cadernos debaixo do braço para cima e para baixo. O que tinham em comum, no entanto, era o tom de desespero em seus rostos.

— Tenho certeza de que encontraremos Samuel. — Alex parecia empolgado. Ele agora estava de mãos dadas com Dave, como de costume, mas o rapaz parara alguns passos atrás, a franja lavanda cobrindo os olhos baixos. — Dave?

A resposta saiu murmurada, e especialmente em lugar tão barulhento, eu mal entendi o grunhido que Dave deu. Como eu era quase da sua altura, conseguia enxergar seu rosto vermelho e cheio com os olhos fechados. A mão dele estava fechada com força ao redor da de Alex. As duas tremiam, e eu suspirei. Realmente, deveria ser difícil para Alex lidar com Dave o tempo todo. Alex se virou para Dave, e colocou a mão sobre sua cabeça. O carinho cortou minha respiração, e acalmou a dele, que abriu os olhos.

— Eu estou bem — outro murmúrio.

— Então vamos? — ele abriu um sorriso gentil, daqueles que só dirigia a ele, e engoli em seco, a saliva afundando em meu estômago e revirando-o. Eram essas pequenas coisas. Como pedras se acumulando em um lago. Eu fingia não notar.

E então ele sorria para mim, e ficava tudo bem.

Alex gemeu um pouco.

— Tudo bem? — perguntei.

— Tudo sim. É só uma leve dor de cabeça. Nada demais.

Eu acenei, e Alex tomou a dianteira, seguido de Dave. Eu os seguia com os olhos atentos às costas do mais alto. Seria muito melhor se tivéssemos ficado no apartamento. Ou se eu tivesse ido para a casa de Kurt. Acho que tinha sido um erro ter vindo para um espaço com tanta gente, mas já estávamos ali. E no final, era a noite de Dave. Não podia estragar tudo. Era só fingir ser uma pessoa normal por doze horas. O quão difícil era uma missão daquelas, afinal das contas?

Muito, aparentemente.

Encontramos Samuel em uma mesa relativamente vazia, porque tinha exatamente três espaços vazios que ele reservara para nós. Ele era muito diferente sem o uniforme do café da universidade. Seus cabelos lisos e negros estavam jogados para trás e uma capa puída e cheia de pelos brancos, além de uma camisa social.

— Qual a ocasião? — Alex apontou para o figurino.

— Meu livro é de vampiro. Uma coisa meio Anne Rice encontra Círculo de Fogo.

— Com gays, né? — Dave riu.

— Por isso vai ser o maior sucesso.

Foi naquele momento que percebi que não fazia a menor ideia do que Dave estava escrevendo. Ele não trouxe um notebook, como a maioria das pessoas, e sim um caderno pesado, cheio de anotações e uma caligrafia pesada e miúda. Virei-me para Alex, e ele deu de ombros também. Acho que ele também não havia lido.

— Dave nunca compartilha o que escreve.

— Ainda não está pronto! — ele grunhiu.

— Nunca vai estar pronto se você não terminar.

— Bem, hoje é a noite do intensivão. Se você não for hoje, já era. — Samuel riu, mas consegui notar que as mãos de Dave agarraram as de Alex com mais força. Estava doendo. Por que será que Alex não reclamava? Por que aguentava tudo calado?

Meus pensamentos estavam em um turbilhão enquanto nós nos sentávamos, e eu ao mesmo tempo que eu observei a conversa, era como se fosse um zumbido alto em meus ouvidos, indistinto e distante, mas que ecoava. Eu não estava ali. Estava no espaço. Estava em debaixo de cobertas, com mãos dadas, e beijos trocados. E como um astronauta perdido na galáxia, eu comecei a sufocar.

— Jesse?

Olhei para o ruivo, e não o reconheci. Eu não conhecia nenhuma das pessoas ali. Minha respiração estava pesada e minha visão turva. Tudo em meu ser gritava, mas no espaço não há eco. Ninguém para ouvir meus lamentos.

— Vou ir ao banheiro — disse, e me levantei. Eu não vi para onde eu fui, mas definitivamente, eu não sabia o caminho para o banheiro, então só vaguei. Minha vontade era de ir embora, mas qualquer lugar que minhas pernas me levassem estava bem. E andei pelo que pareceu serem quadras ou milhas ou anos-luz inteiros.

Meu telefone era um peso em meus bolsos, e peguei-o, encarando a luz cálida e azul. Ela me traria algum alívio. Eu sabia que

iria me arrepender

Kurt iria me atender.

Ele conhecia o frio da solidão, ele sabia como era. Ele entenderia.

Mas no fundo, eu já sabia. Quando o celular caiu na caixa postal, eu não deixei uma mensagem. Eu sabia que seria inútil. Kurt sempre tinha “problemas de Kurt”

eu também tenho a minha vida para cuidar, não posso te foder todas as vezes que você quiser dar pro namorado do seu irmão

e no fundo não importava porque nada importava o que é ser uma cinza cósmica em meio uma explosão de uma supernova?

Meus dedos agiram por si só, e eu notei o número do rapaz. Eu mal conseguia ler seu nome, mas eu conseguia lembrar de onde o conhecera. Ele tinha dedos bonitos, dedos de ilustrador cheios de carvão, mas ainda conseguira me entregar o número, corajoso

talvez ele me fodesse contra o cavalo

e talvez aquilo bastasse

meus dedos discaram

— Ei, olá. E aí, gato, será que posso ir para sua casa agora? — qual era mesmo o nome dele? Eu precisava lembrar. Precisava. Ou não. Não ia lembrar depois da foda mesmo. O que era gemer um nome qualquer enquanto estavam debaixo de lençóis quentes que imitavam a luz do Sol?

Sol.

— Jesse?

A luz intensa invadiu aquele cômodo e meu ar faltou. Foi quando notei que estava em um depósito, com vários produtos de limpeza, e quem abriu a porta foi Alex, com o olhar consternado.

Merda.

 

***

 

— E aí, gato, posso ir para a sua casa?

Seu rosto se avermelhou, como uma criança pega em uma travessura. Era meio cômico, até, porque você não tinha a idade de falar uma coisa daquelas e ainda parecer tão inocente.

Mas algo em mim se revirou.

— Jesse? Com quem você está falando?

Seu olhar mudou, de uma corça inocente para nenhuma expressão. Vazio. Droga, como eu queria saber o que se passava dentro da sua cabeça, ler seus pensamentos.

Às vezes você não percebe os sinais mais óbvios.

— Com ninguém. — E desligou o telefone.

Mas havia algo em meu peito. Uma flor havia nascido.

Dúvida.

A morte de qualquer relacionamento.

— Você estava tentando ir para a casa de alguém? De novo?

Você continuou a me encarar, sem falar nada. Um muro que eu tinha vontade de esmurrar. Era horrível quando você se fechava daquela maneira, e eu simplesmente tinha que acatar. Mas aquilo era um pouco demais para ignorar.

— Jesse... Não me faça pedir para ver seu telefone.

— Você é minha mãe agora, Alex?

A resposta cortou meu coração, a primeira das feridas. Mas não aplacou o crescimento da dúvida. Como uma hera venenosa, entremeando-se em meu imo e em minhas palavras.

— Não sou, mas achei que...

achei que nós tínhamos algo

— E se eu estivesse?

Segundos antes de você abrir a boca, eu sabia a resposta. E francamente, entre o saber e o não saber, a ignorância era realmente uma benção divina. Senti o ar voltar, e desejei do fundo do coração voltar para o multiverso em que era ignorante.

Mas eu sabia agora.

O vaso de hera venenosa estourado.

E teríamos que lidar com os cacos.

— Por quê? — eu não reconhecia a minha própria voz. Eu não falava daquele modo. Mas era assim que você me afetava, Jesse. Era assim que eu me perdia em seus tons, e apesar de magoado, eu ainda queria entender. Queria penetrar em seu imo, e entendê-lo.

Você deu de ombros.

— Me deu vontade.

— Pelo amor de Deus, Jesse.

— Não achei que fossemos exclusivos.

Bem. Você tinha um ponto ali. Em todas as nossas conversas e mensagens trocadas, nunca tínhamos colocado um nome no elefante no meio da sala: nossa relação. Ela apenas existia. Mas eu achava... Eu realmente achava que...

— Eu achei que você gostasse de mim — sussurrei.

Mais um dar de ombros. Como eu queria te esmurrar.

— E eu gosto. Mas isso não tem a ver com sexo.

Eu ergui uma sobrancelha.

— Claro que tem a ver. Você transa com qualquer um?

Você ficou calado, e a realização me atingiu.

— Jesse...

— Era isso que você queria saber? — Seu tom era de mágoa e algo mais escondido, visceral. — Que eu não sou seu par perfeito? Que eu sou um fodido, que não mereço alguém tão perfeito quanto você?

Eu suspirei.

— Você não é um fodido, Jesse.

— Viu, eu ia transar com outra pessoa e você ainda tenta ser um coach motivacional para cima de mim! Isso me irrita, sai do seu pedestal, Alex!

— Eu estou irritado! — Esfreguei minha mão contra as minhas têmporas. Minha dor de cabeça ameaçava a se triplicar. — Eu só não gosto de ficar brigando com a pessoa eu amo!

Isso certamente calou a sua boca. Me deu até vontade de rir, apesar da situação séria.

— Você me ama? — seus olhos eram discos incrédulos. Eu me volvi para você, indo em sua direção e tocando em sua cintura.

— Não estava óbvio?!

— Como eu ia saber se você não me fala?

— Eu sou meio lerdo para essas coisas. Demoro para entender relacionamentos em geral. Meu último namorado dizia...

— Ótimo, você vai se declarar para mim e ainda falar de ex.

— Bem, de qualquer modo, eu também tinha problemas de comunicação com ele. E acho que entendo o porquê. Eu... Eu só não quero ser qualquer um. Ou mais um. Eu quero ser seu único, Jesse.

Nós dois nos sentamos naquele pequeno quartinho de depósito, e ficamos nos encarando um pouco. A pouca luz que vinha da porta entreaberta iluminava a sua respiração e as batidas do meu coração se aceleraram.

Porra.

Eu tinha me declarado mesmo?

— E aí, vai dizer nada?

Você ficou em silêncio, olhando para o nada por alguns instantes. E depois, me encarou.

— Eu ainda ia dormir com outra pessoa.

— Sim. Acho que temos que discutir isso. Por que você ia fazer isso?

— Por que eu sempre faço isso quando...

— Quando?

Você se abraçou e se encolheu. Era um modo de proteção; ao menos, não estava correndo de mim. O que significava que eu tinha uma chance. Talvez mínima. Mas era tudo que eu precisava.

— Quando eu não aguento mais viver na minha cabeça. É uma forma de abafar os sons.

Fiquei em silêncio.

— Eu também?

— O quê?

— Você deitou comigo como uma maneira de aquietar qualquer coisa que esteja dentro da sua cabeça? Eu sou só mais um?

Não estávamos em completo silêncio porque ainda conseguíamos ouvir os ruídos e risadas das pessoas no evento, e por um momento, pensei em Dave, que deveria estar se sentindo sozinho e um pouco assustado de estar em um local tão grande com tantas pessoas. Talvez devêssemos evitar essa conversa e voltar. Talvez eu não quisesse ouvir a resposta.

a ignorância é uma benção

— Sim.

E a hera venenosa do meu coração foi arrancada violentamente, deixando-o a sangrar, e eu me deitei para morrer.

— E não. Ao menos no início, foi sim. Mas eu... eu gosto de você, Alex.

Você abriu um sorriso tímido.

— Acho que também estou apaixonado por você.

E do sangue nasceu milhares de flores azuis e brancas e roxas e rosas, e enquanto dávamos as mãos, talvez houvesse um final feliz para nós afinal.

— Mas somos exclusivos a partir de agora — eu reclamei.

Sua risada é uma memória guardada em meu templo como um tesouro, adorada por meu sacerdócio no altar da minha alma. E quando seus lábios tocaram os meus, consumamos todos os ritos de nossa religião.

Tentamos sair do depósito de limpeza sem sermos notados, em um momento em que houve uma algazarra maior. Você disse que ia no banheiro se arrumar, enquanto isso, eu voltei para a mesa. Queria dizer que minhas feridas estavam saradas, mas era como um enfermo depois de uma cirurgia. Ainda dolorido, um pouco fodido da cabeça.

Eu queria te entender.

Mas tudo que eu podia fazer era confiar.

A mesa estava mais calma. Aparentemente, as outras pessoas da mesa estavam em um papo agitado, e eu notei o problema de imediato.

Dave.

Merda.

Ele estava ansioso, olhando para os lados, e então para o caderno, sem escrever nada. Parecendo prestes a ter uma crise, a explodir. E eu trocando uns amassos com Jesse no armário. Como ele ficaria ao saber disso? Eu não podia

abandoná-lo

e eu quase corri, mas vi a mão de Sam, que embora estivesse conversando animadamente, achar a de Dave, e as duas se entrelaçarem. Vi a expressão surpresa de Dave, e então, um pequeno sorriso em seu rosto. Ele respirou fundo, e pareceu relaxar. E pela primeira vez naquela noite, vi-o continuar a escrever, com as mãos ainda entrelaçadas ao outro.

Céus.

Será?

Que as coisas finalmente entrariam nos eixos?

Meu coração se encheu de esperança. Com você e eu finalmente em paz, e Dave entrando em um bom caminho... As coisas finalmente estavam melhorando. Isso me deixava terrivelmente animado.

Voltei para a mesa, e Dave estava radiante:

— Alex! Estou quase acabando!

— Que bom, Dave.

— Eu não aguento mais escrever vampiros mordendo virgens... — Samuel parecia enfurnado no teclado do seu notebook, com o rímel escorrendo pelo rosto inchado de sono, e decididamente, já estava tarde da noite. Ainda tinha muitos comes e bebes, e muitas horas de escrita pela frente, mas eu estava morto (mas não tanto quanto as virgens de Samuel). Você apareceu logo depois, ajeitando o meu moletom que em você ficava ridiculamente grande, mas aos meus olhos, muito fofo.

— Eita, vocês dois sumiram por muito tempo — Dave comentou.

— Estávamos procurando comida decente. — Seu sorriso era diabólico, e eu sabia que estava mentindo para mim. Porque eu ainda não queria contar para Dave.

Mas ele estava tão bem... Tão bem... Talvez fosse a hora.

Eu me virei para abrir a boca, mas palavras não saíram. Eu estava travado. Como eu diria a Dave que eu estaria me afastando mais dele? Meu amigo continuou a escrever, incauto, e eu olhei para você, sentado ao meu lado.

Por debaixo da mesa, você pegou em minha mão, e eu até então eu não reparei o quão eu precisava daquele amparo, daquele singelo toque. Respirei fundo.

Talvez outro dia.

E no fim, Dave conseguiu terminar a tempo, seguido de um exausto Samuel que se jogou em cima do notebook, derrotado. Os sinos do local tocaram, indicando o final do evento.

E o final de Novembro, também.

Levamos Dave para casa; você ia para a minha. Era um hábito seu todas as vezes que queria evitar alguma coisa aparecer no meu apartamento, notei. Eu não me importava, porque apreciava a sua companhia. Mas às vezes eu queria que você falasse mais sobre os seus problemas, mesmo que fosse só para reclamar.

Saímos da biblioteca nas primeiras horas da manhã, enquanto ainda estava tudo escuro. Você caminhava ao meu lado, quieto, com o ar noturno a cair-lhe como um véu sobre os ombros. Estava adorável, e o ar de Dezembro lhe tornava tão lindo quanto qualquer mês, mas parecia ser algo especial naquela noite.

Olhei para cima, e foi quando notei.

— Olhem! A primeira neve do ano — recitei.

— Droga. Vamos nos molhar — Dave reclamou.

— É bonita.

Ficamos parados um pouco na noite, observando os flocos de neve caírem sobre nós, e então, seguimos. Não havia nada de especial, ao mesmo tempo, não era nada comum. Talvez as situações só sejam especiais quando olhamos para trás, mas vendo agora, eu consigo lembrar de como os olhos de Dave brilhavam ao ver a neve, e seu sorriso, Jesse, discreto, ao vê-lo chutar montinhos de lama em direção aos carros que passavam.

Era especial.

E não era.

E era tudo para mim.

Dave, animado, continuava a comentar do evento:

— E Samuel lidou com aquela briga tão bem... Queria ter as mesmas habilidades que ele! Além de gerenciador de comunidade, ele também escreve muito bem, ele me mostrou alguns trechos do livro dele, e havia virgens mordendo vampiros também...

E embalados pelo som da voz dele, eu senti você segurar a ponta do meu casaco. Eu estava de mãos dadas com Dave, mas com a outra mão, eu entrelacei nossos mindinhos brevemente, e naquele pequeno espaço-tempo, eram apenas nós dois na rua escura, andando pela noite.

Ao chegarmos na casa de Dave às primeiras horas da manhã, encontramos uma Sra. Kate (cinquenta e dois anos) tomando café na varanda da porta. Se eu era muito protetor com Dave, Kate era a mais coruja das mães. E não era sem motivo.

— Como foi lá, meninos? — Ela tinha um sorriso afável e um rosto cansado. Afinal, sendo uma enfermeira, eu tinha a certeza de que ela tinha acabado de voltar de um plantão de doze horas ou mais.

— Eu acabei o livro! — Dave correu até ela, mostrando o caderno. O clima estava ótimo, e francamente, era uma das noites que eu mais me lembraria. Olhei para você

os sinais

eu os perdi?

e para Dave, que encarava o celular. Imaginei se tratar de uma mensagem de Samuel, porque ele continuava a tagarelar, mas repentinamente, ele ficou mudo.

— Vou entrar pro meu quarto — anunciou, e saiu correndo.

— Ué, não vai nem me mostrar alguma coisa do livro? — Sua mãe ergueu a xícara de café. — Eu passei o café agora, vocês não querem uma xícara?

— Aceito — eu disse. Quem era eu para recusar o café de dona Kate (cinquenta e dois anos)?

Mas antes que eu pudesse me mover, Dave colocou uma mão no meu peito, me impedindo, e saiu correndo em direção às escadas.

— Dave? — nossa voz em uníssono perguntou em tons diferentes, mas o rapaz não chegou a ir muito longe, especialmente quando se curvou nas escadas e expeliu todo o conteúdo do seu estomago em cima do carpete.

— Dave! — Dona Kate deixou a xícara e correu para o filho. — O que você tem?

Dave parecia muito pálido de repente.

ele ainda tinha o celular em mãos

— Nada, mãe. Acho que comi alguma coisa estragada no evento.

— Mesmo? Bem, eu cuido das coisas a partir daqui, Alex. — Kate assumiu o papel de mãe, e acenou. — Podem ir.

Eu estava apreensivo, e não queria deixar Dave naquelas condições, mas já que ele estava com a mãe, ao menos, ele não ficaria sozinho. Você me puxou pela manga do casaco e juntos, enfrentamos a noite. 

INTERLÚDIO

 — Ele ainda estava com o celular.

Você não me respondeu. Seu olhar era azul intenso e gélido, e estava começando a me cansar de seus enigmas.

— O que fazemos com celulares? — foi a sua pergunta-resposta.

— Nos comunicamos com eles. — Dei de ombros. — Mandamos mensagens.

Sua expressão mudou para um sorriso lateral. Sabichão, sabido, esperto.

uma mensagem

— Esse foi o primeiro sinal?

Você se levantou e foi em direção à janela, em direção às hortênsias. Era uma visão e tanto, seu torso nu, e a tatuagem em suas costas parecia brilhar como os cosmos. Cada veia sua pulsava tal qual uma galáxia, e sua vida ressonava na minha.

estou vivo

estamos vivos

Você tocou em uma hortênsia, e ela explodiu em uma supernova.

— Existem primeiros sinais? Estava ali o tempo todo... Quem não viu foi você.

E quando eu olhei para baixo, o cigarro em minha mão havia queimado por inteiro, sem eu dar uma tragada sequer.

O fogo queimou tudo.

o incêndio, o desabamento

o quarto, a navalha

a ponte, o rio

eu

Eu respirei, e continuei a lembrar.

As memórias são o fio mais cruel do destino, não são? Estou ansiosa para ouvir seus comentários, seja aqui no beehiiv quando no meu curiouscat, se preferirem anonimidade. Comentários são mais do que bem vindos! Alimente esta autora com biscoitos! Alternadamente, sempre estou online no Kaleidocosmik. Venham fazer parte dele!

Até semana que vem,

Lacie

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