Lacieverso #19 || Hortênsias 8.2 - Desalento + Esperança

Boas vindas, convidado. O calor urge, então pegue sua hidratação de escolha, e sente-se na sombra, porque hoje quero lhe contar uma história, e algo mais.

Não sei exatamente o que quero com essa carta, mas não dá para fingir que o clima atual não é saído de uma distopia fictícia. Só que é real. A temperatura desse verão vai ser a maior em mais de cem anos, e só deve piorar. Verões mais quentes, e invernos mais frios, e não estamos preparados para o cataclisma que virá. Com tanta guerra e inocentes morrendo na Palestina e no Congo, sei o quão difícil é manter esperanças.

Mas o importante é mantê-las.

É fácil se deleitar nos braços livres do nihilismo, e acreditar que não há mais jeito. Não é fácil mudar uma sociedade inteira, nem o mundo: mas cada pequena ação gera resultados imensos nesta onda, e o importante é, apesar de tudo, acreditar que há chances de recuperação. Que mesmo na merda, dá para renascer. Então ajudem com o possível: divulgando as bárbaries, doando quando suas doações possam aliviar a dor de alguém, e se não puder, ao menos, reze para sua entidade superior, porque energias positivas são sempre bem-vindas. Não percam as esperanças. Perserverem, porque o final ainda não está escrito, e não há destino que não possa ser mudado.

É isso que eu queria compartilhar um pouco haha Talvez fique meio sem sentido, especialmente porque sei que escolho não me posicionar em vários casos, mas queria apenas reiterar o pedido de não perderem as esperanças. Ela é a última que morre, e a primeira a ser ressuscitada.

Fiquem bem, e apesar de não ter nada a ver, fiquem com o capítulo dessa semana ♥ Lembrem-se de se hidratar e passar protetor solar, cuidem-se!

Hortênsias

CAPÍTULO OITO

DESALENTO

Acontece que arranjar ingressos para o evento não era uma tarefa tão fácil assim, especialmente de última hora. Foram necessárias algumas ligações da parte de Alex para o tal Samuel, e embora o nervosismo de Dave fosse perceptível, sua animação também o era. Conforme a data se aproximava, mais ele tremia.

Quanto a mim e Alex...

Se eu achei que algo houvesse mudado naquela noite em especial, Alex não o disse, e nem eu. Nunca soube se Alex tivesse trocado palavras com Dave sobre o que ele havia me dito. E no fim, aquela ferida permanecia, e se infectava como uma ideia.

Apesar do encontro com o grupo de escrita ser apenas na última semana do mês, meus encontros com Alex foram espaçados. Não por culpa dele per se, mas sim devido a grande quantidade de trabalhos da faculdade, ao ponto que até eu passara a recusar dormir na casa dele, devido ao cansaço; porque quando íamos para sua casa, dormir era a últimas das preocupações. Alex também passou algumas noites dormindo na casa de Dave, pela ansiedade, e fui convidado em algumas ocasiões para dormir lá também, mas... não me sentia confortável assim. Além do quê, tinha um certo medo.

E se... a mãe de Dave me reconhecesse? Alex e Dave poderiam não lembrar, por serem jovens, mas ela, como adulta, certamente me reconheceria. E era algo que eu não pretendia reviver tão cedo.

Eu odiava lembrar do acidente da Igreja.

Enfim.

Não adiantava ficar pensando naquilo, quando eu tinha um encontro para ir. Alex me chamou para um café apertado, próximo da faculdade, porque apesar dos trabalhos, ele queria me ver. Achei fofo, e tentei ignorar como meu coração reagia ao ver que apesar de tudo, Alex se importava comigo.

Era algo bom.

Não sabia exatamente quão bom, mas era um quentinho no meu peito.

— Vai sair de novo? — a voz gelou meus sentidos e eu sofri uma hipotermia. Não a encarei, mas não sabia como não tinha ouvido os passos pesados do salto alto. Nama também iria sair. — Você não acabou de voltar do trabalho?

— Hm.

— Pelo amor de Deus, Jesse — a voz dela, decepcionada e eu com minha vontade de fugir. Amarrei os sapatos de novo, apenas para não encará-la. — Juro que não sei o que você quer da vida, desperdiçando seu tempo dessa forma. Antes de procurar uma namorada, procure melhorar você mesmo...

Antes que o sermão continuasse, eu me levante bruscamente, indo em direção à porta.

— Jesse, antes que vá — Nama me chamou. — Preciso conversar com você amanhã. Por favor, volte para casa hoje e não saia mais. É um Sábado, então você não tem trabalho, né?

— Hm.

E antes que ela reclamasse ainda mais, eu saí porta afora, correndo em direção ao ponto de ônibus, ultrapassando meus pensamentos de buraco negro. Corri tanto, e vendo que o ônibus não vinha, meu instinto reagiu antes, e me vi correndo, a respiração esbaforida, e quando vi as luzes vermelhas do neon da faculdade, apenas parei quando vi meu Sol.

Alex me esperava na porta, e pareceu surpreso.

— Achei que fosse demorar mais. — Ele sorriu, e eu soube, então, que tudo ficaria bem. Me joguei em seus braços, e mais uma vez, me esqueci de quem era.

— Posso dormir na sua casa hoje? — a pergunta escapou dos meus lábios uma vez que entramos e pedimos nossos drinks — Alex, um milkshake de Ovomaltine, e eu uma água e um café expresso, a água sendo devorada de imediato. Alex corou um pouco, mas apenas apertou seu enlace.

— Tudo bem, você é sempre bem-vindo lá. Mas... Estava pensando em outro programa para amanhã.

— O quê? — mexi com a colher no meu expresso, vendo o chantili se derrete.

— Quer ir ao cinema?

Meu primeiro pensamento foi

nama

o gosto de alex

E não era difícil saber qual eu preferia. Não havia compromisso algum que me fizesse perder aquele encontro.

— Claro, ruivinho.

A noite veio, e mais uma vez, nossos corpos descansavam sobre a cama, nossas respirações se confundindo com o ar frio. Minhas pálpebras caíam sonolentas sobre meus olhos, especialmente pelo toque de Alex rítmico em minhas costas, traçando seus contornos e relevos. A cicatriz por debaixo era menos perceptível, mas ainda estava lá.

— Qual é o motivo da tatuagem?

— Hm? Motivo nenhum.

— É muito lindo o desenho.

Eu soltei uma risada baixa, virando o corpo para voltar a encará-lo. — Por que você é fascinado pela minha tatuagem?

— Eu gosto de hortênsias, a flor, eu digo.

— Você gosta de flores?

— Pode se dizer que sim...

E seu olhar caiu sobre minha boca, esperando o beijo que veio cálido em seguida. Meu gelo se derreteu contra seu fogo, e me abri novamente contra ele, sentindo seu toque faminto e sedento. O beijo durou mais alguns segundos, me incendiando, quando Alex  interrompeu o beijo e me encarou, antes de se levantar da cama e começar a procurar suas roupas.

— Venha. Eu quero lhe mostrar algo.

— Vamos sair? Olha a hora, Alex.

— Não é muito longe. Prometo.

Pensei em reclamar, mas... o olhar determinado dele me faria fazer qualquer coisa. Eu me vesti e coloquei um dos seus casacos, sem o fechar, enquanto Alex saiu apenas com um suéter. Calçamos nossos sapatos, mas perdi a coragem quando ele abriu a porta.

— Sério, Alex, prefiro muito mais ficar dentro de casa. Está muito frio!

— Só alguns minutos. Prometo.

Revirei os olhos e saí. Ao invés de irmos para a rua principal, Alex seguiu um caminho para dentro da cerca viva, que estava mais morta por causa do frio. Ele tirou uma das chaves e abriu a porta do quintal da casa. Ele tinha me contado que o quintal era um terreno em comum dos três apartamentos, mas Alex nunca me contara o que tinha nele. Achei que era apenas um jardim comum.

Quando a porta se abriu, achei que o tempo passara mais rápido — porque no inverno que se iniciava íamos para a mais bela primavera.

O jardim tinha alguns arbustos, apesar das flores morrerem por causa da temperatura, mas o espetáculo de tons de azul, rosa e branco floresciam a despeito do clima. Contra o céu negro das folhas da noite, parecia que tinha uma verdadeira galáxia entre nós, não longe, mas a mero passos de distância.

— Não valeu a pena?

— Como...

— Eu não sei direito. Nunca vi essas hortênsias morrerem, mas desde que me mudei, eu cuido delas. É um dos pequenos milagres da natureza, acho. E você não questiona milagres de verdade.

Alex me abraçou, eu sentindo seu calor através das roupas, e apenas paramos, admirando a paisagem. Ele fechou os olhos e encostou seu rosto contra meu pescoço, aspirando a minha essência. Eu apenas sentia o toque em minha tatuagem, pensando.

Ele notara as cicatrizes. Sabia que havia uma história — Alex não passara tanto tempo admirando a minha tatuagem sem notar o que ela escondia. Eu não queria lhe contar, porque eu não gostava de lembrar, mas... Na hora, quis revelar-lhe meu segredo — de que era eu, junto aos escombros, o meteoro da abadia também caíra sobre mim. Que eu estivera lá, e enquanto eu chorava de desespero naquelas quatorze horas que demoraram para me tirar de lá, eu senti uma mão segurando a minha aquele tempo todo, tão macia e de palavras cálidas.

eu vi você cair

E eu quis sim, contar-lhe, algo tão íntimo meu, que as cicatrizes debaixo das hortênsias continham as raízes do meu problema, porque se eu não estivesse lá, se não tivesse seguido aquela luz, talvez estivesse morto, e talvez tivesse sido melhor.

Mas não consegui. Não agora, com meus sentimentos tão revirados e incertos. Eu apenas me virei para Alex, e o beijei de novo, entregando-lhe todas as dúvidas do meu coração e esperando alguma resposta que nunca viria.

Perdidos no espaço um do outro.

Estou ansiosa para ouvir seus comentários, seja aqui no beehiiv quando no meu curiouscat, se preferirem anonimidade. Comentários são mais do que bem vindos! Alimente esta autora com biscoitos! Alternadamente, sempre estou online no Kaleidocosmik. Venham fazer parte dele!

Até semana que vem,

Lacie

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